Tributo à madrichá

Por: Roberto Pechman 12/09/2020

Roberto Pechman

Eu estava fazendo um Pós Doutorado em Paris e não me lembro como começou a história, passei a escrever para a Sônia. Me lembro que encontrei com o Vitor e a Sara [Zalt][1] e eles devem ter me dado o contato dela. Não falava com Sônia desde 1971, ou seja, mais de 30 anos. Como não podia deixar de ser, não foi uma conversa trivial pois botamos nossos afetos em dia. Foi uma espécie de viagem ao passado em busca daquilo da experiência que ficou em cada um de nós. E ficou…posso te garantir.

Me lembro que uma vez ela leu um poema do Carlos Drumond que eu nunca esqueci e que dizia assim: “De tudo fica um pouco…” E foi pensando nisso que fui revendo o tanto que ficou de nossa experiência coletiva, coisa que dizia respeito a todos nós. Um pequeno parêntese: durante muitos anos conversei com o Felipe [Doctors][2] e o Sto. André [Sérgio Feldman][3] sobre o que fôra

nosso passado e sempre coincidimos sobre  a importância intelectual, ética, estética, política e cultural que vivemos e que essa experiência teria sido tão marcante  que nos fez o que seríamos anos depois, já fora da Tnuá.

Ou seja, ao escrever para Sônia tinha isso em mente e contei a ela essa percepção que tínhamos e ela concordou totalmente pois para ela foi igual, embora ela estivesse no papel de “formadora” de nossas almas.

Quando nossa aventura juvenil começou tínhamos por volta de 15/16 anos e pouco sabíamos e entendíamos do mundo e a Sônia nos trouxe o mundo. Literalmente: política, teatro, poesia, literatura, cinema, música, de repente começamos a escrever, a ler, a discutir, a criticar o sistema, isso já nos momentos da ditadura militar. E não só isso pois todo um universo de ética, de compaixão pelo Outro, de consciência política, nos impregnou e isso começou a nos moldar sem volta atrás. Cada um seguiu sua trajetória, mas muito restou do que formulamos juntos.

Foi isso que eu disse à Sônia, reconhecendo mão dela na configuração de nossos destinos.

Infelizmente não consegui recuperar a conversa com ela nos mail anteriores pois me disseram que o que está na Nuvem Digital vai sendo apagado com o tempo.

Eu que estudava eletrônica na Escola Técnica, passada a minha estada em Israel, me tornei historiador, com a séria intenção de “salvar” o mundo. Acho que não consegui. Ao menos me salvei de viver pateticamente coisas que não tem nenhum sentido e que não justifica as pessoas acreditarem que é “natural”, mas isso é outra história.    

Enfim, enfim, uma pequena homenagem a essa mulher iluminada que foi a Sônia, que quando olho pra trás, tá sempre lá, guerreando contra a mediocridade. Era ela uma espécie de oráculo que vivíamos consultando, e ela inclusive funcionou fortemente como nosso consultório e/ou laboratório sentimental.

Enfim Bracha Yoe l4] jogue esse mail no vento para que se espalhe por esse tempo tão globalizado e sirva para nossos contemporâneos refletirem sobre o que fomos.

Neshikot do Beto (Roberto Moses Pechman).

Na biografia de Mauricio Marshevski,  o viúvo de Sonia, mais detalhes sobre sua história

[1]  Vitor e Sara Zalt foram chaverim e bogrim do Dror [Hakibutz Hameuchad] do Rio nos anos 60′, fizeram aliá para o kibutz Kfar Szold e atualmente vivem em Metula.

[2]  Felipe Doctors, falecido, era chaver do Dror [Hakibutz Hameuchad] do Rio, casou com Dina d’Israel, fizeram aliá em 1971 para Kfar Szold, depois voltaram para o Brasil.  

[3]  Sérgio Feldman cresceu em Sto. André, São Paulo, daí seu apelido Sto. André como é conhecido por seus amigos e conhecidos. Sérgio foi chaver do Dror em São Paulo, fez aliá e estudou história na Universidade Tel Aviv. Após os estudos voltou para o Brasil, casou com Yara Warschavski do Ichud Habonim. Sérgio é professor de história na Universidade Federal na cidade de Vitória do Espírito Santo, publicou livros e artigos sobre história medieval e cristãos novos.

Bracha Yoel, chavera do Dror [Hakibutz Hameuchad], fez Machon Lemadrichim em 1969, se estabeleceu no kibutz Sde Nachum. Bracha centralizou todo o trabalho de registro e memoria de chaverim do Dror de sua geração e teve a gentileza de doa-lo ao projeto “Chalutzim Brasileiros” e ao arquivo do Dror – ontem e hoje.

[5]Leia o poema de Carlos Drumond de Andrade, “Resíduo”

 

 

 

 

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2 comentários em “Tributo à madrichá”

  1. Em 17 de Junho 2004, Sonia respondeu a um mail de Beto. meses depois, faleceu de cancer
    Oi Beto,
    O Mauricio quis te mandar um mail com fotos interessantes(?) mas pelo visto voce nao consegue abri-lo.pelo que entendi quem usa hotmail tem limitacoes para receber certos mails. Claro que tenho recebidos os teus. ate fiz uma cópia e deixei para a micha ler.diz ela que ainda não encontrou tempo para te responder.

    Realmente ela está muito sobrecarregada pois tem um cargo de muita respnsabilidade no trabalho alem de ser a super mãe. super avó, super amiga etc etc.
    Interessante os papos que estao se desenvolvendo entre nós. sera’ que nós vamos analizar o passado para entender o que nos passa ou passou na vida? Como voce disse que tudo começou comigo, para mim tambem ter sido a madricha de voces me “estragou”. eu sempre me senti tao orgulhosa de voces e sempre estava comparando os outros com voces e nunca ninguem me pareceu a altura de voces.

    Para mim dizer que fui madricha de voces sempre me parecia que isto me dava mais credito me fazia mais valorizada.voce falou nas boas companhias que voce imagina que o Felipe esteja,mas esqueceu do Mendel.quando eu soube que o Felipe tinha falecido,o Mendel voltou a me fazer falta. Ele seria a pessoa mais adequada para chorar juntos. Aliás o Mendel será uma conversa à parte, pois tenho muito a contar sobre ele e mandarei uma copia ao Sergio tambem pois ele se sentia muito ligado a voces.

    Sabe, meus filhos sempre reclamam que eu nao os valorizo bastante. agora pensando-será pelo fato de super valorizar a turma? ou porque meus talentos maternos sao menores que os outros?

    Como se estivesse acontecendo algo que nos reune novamente. que mistério é a vida… Beto, me conte sobre tua esposa e filhas.sobre voces em geral. Suponho que este ano em Paris seja o que se chama aqui shabaton-uma especie de ferias tambem,nao?
    Beijos,
    Sonia”

  2. Emocionante toda essa correspondencia entre Beto e a Sonia! Sonia era minha adorada madricha na Tnua em S.P. Ela fez Alia a Sde Nahum (1967) e quando eu cheguei ao kibutz durante o meu ano do Mahon Lemadrihei Hutz Laaretz (1969) ela me fez shiduh com Elisha, filho do kibutz que era meu irmao na familha adotiva (Yoel). Acabamos nos casando e este ano comemoramos 50 anos felizes de casamento! Braha Yoel.

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